a-chave-dicotómica

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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Há que relativizar

Somos por vezes tão egocêntricos que nos focamos obsessivamente nos nossos pequenos problemas sem os relativizar ou contextualizar num enquadramento mais alargado.

No meu caso pessoal, é comum viver atormentado com os problemas relacionados com tudo o que diz respeito a burocracia, que normalmente me ultrapassam e esmagam de uma forma kafkiana. No momento presente, são documentos relacionados com inscrições atrasadas e pagamentos de propinas, que não sendo monetariamente muito onerosos, exigem ter que estar a requerir à universidade uns papéis por um lado, e umas declarações específicas à Fundação para a Ciência e Tecnologia, por outro. Coisas que, sendo normais e corriqueiras, ainda perturbam o sono de inaptos como eu.
 
Mas lá está, há que relativizar. Hoje vi nas notícias desenvolvimentos dobre o caso Duarte Lima, que ao mesmo tempo que se encontra em prisão domiciliária em Portugal por causa do caso de fraude do BPN, tem que estar a par de uma audiência preliminar para caso de homicídio de uma senhora no Brasil, do qual é também arguido. Imagino que o sono dele ande bem mais perturbado que o meu. 

Pois bem, caso de tribunal aqui, caso de tribunal ali, contactar advogados, pedir adiamentos, enfim, só de imaginar toda a papelada que isso implica...

domingo, 27 de maio de 2012

História em curso

Neste período pós-entrega ando a "vingar-me" a terminar de escrever um conto para submeter a mais um concurso, enquanto ainda espero novidades de outra história que enviei para outro concurso, sabendo ainda que já tive um conto não vencedor num primeiro concurso.

Enfim, concurso atrás de concurso, hei-de reunir no fim um livro de contos, a que poderei designar, como título geral: "Contos não premiados". É esse o segundo grande objectivo desta minha senda.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Síndroma do doutoramento

Mais um cartoon com a assinatura de Quino.

sábado, 19 de maio de 2012

Está quase...

Depois de um Quino sobre a morte, agora um pouco de Jorge Cham sobre dead lines.

Ainda sobre o post "A dívida"...


É sempre bom rever o genial Quino e tudo o que ele tem a dizer sobre a vida em sociedade e sobre a condição humana.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Shame

Um filme corajoso e recomendável. Talvez dos mais marcantes que vi ultimamente. Quando a força do argumento está no que não diz nem mostra, como o passado dos dois irmãos com uma relação intrincada e conflituosa, ambos com as suas psicopatologias, ambos a sentir na pele uma solidão que é uma desconexão com a vida social. E cada um a saber intimamente que o outro é a única pessoa que o pode compreender e perdoar. 

Fica a curiosidade por saber que vivências partilharam no passado, o que é que presenciaram, o que silenciaram, o que carregam ainda consigo. Coisas que remetem para a terceira personagem deste filme: a família de Brandon e Sissy, no seu todo uma personagem tão forte quanto ausente. Ausente no texto, mas a vestir cada acção e cada comportamento dos dois irmãos protagonistas, espectacularmente interpretados por Michael Fassbender e Carey Mulligan.

Não é, porém, um feel good movie. Tem sexo, é certo, pois trata-se de um homem viciado em sexo. Mas até este é desconfortável e pouco sensual, tido que é tratado com uma imensa agonia. 

É, digamos, como se fosse uma espécie de "Leaving Las Vegas", mas em que o Nicholas Cage se esvaziasse na Elizabeth Shue e suas amigas, em vez de esvaziar garrafas de vodka. 

 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Uma semana inteira à volta disto

Já quase me tinha esquecido deste grande amor por rove beetles (Staphylinidae), até ter surgido esta nova jornada de identificação intensiva de espécies de estafilinídeos no período pós tese.

sábado, 12 de maio de 2012

Por falar em acabar o mundo

Outro grande filme de Lars von Trier. Pelo menos para mim, fã confesso deste que é um dos grandes autores do nosso tempo. Pelo menos um autor incontornável, face aos afiados e desconfortáveis pontos de vista que ele tão bem exprime com a sua câmara, duma forma tão densa e íntima que traz ao de cima reminiscências de Bergman. É um estilo nórdico, de que tanto gosto. E por mais que se critique, Lars é cinema.  

Este fala exactamente do fim do mundo, mas numa perspectiva bem diferente do que são normalmente filmes sobre o apocalipse. Este é um filme de personagens, um filme sobre a depressão e a relação de uma pessoa, que se sente tão afastada do mundo, exactamente com o fim desse mesmo mundo. E à volta dela outras personagens, que tanto se esforçam para que ela se insira neste mundo, como reagirão essas pessoas perante o apocalipse. Tem esta obra o (feliz) título de Melancholia. E talvez estivesse no meu subconsciente quando escrevi aqui o post "A dívida". Porque há muito deste filme nesse meu post. Aí está porque gosto do Lars. É isso o que é para mim um cineasta, é alguém com a capacidade de se incrustar no subconsciente das pessoas, alguém que não tem que fazer filmes fáceis de ver, e fáceis de esquecer. 

Pelo contrário. Um cineasta deve fazer filmes que não sejam assim tão fáceis de ver e, sobretudo, que não sejam assim tão fáceis de esquecer.

terça-feira, 8 de maio de 2012

som do frigorífico

E por falar em poesia (do Sam Mendes), vou revisitar a fruta do meu quintal, fruta já antiga e, portanto, com laivos de adolescência: 

o som do frigorífico

Lúcido
Sempre lúcido
Estupidamente lúcido.
E no entanto só vejo o que os olhos magicam
Transformam e reinventam
Os argumentos visuais
Sobre os quais
Permaneço
Obsessivamente lúcido.

Tento embriagar-me, mas não consigo
Tento refugiar-me
Longe dos pensamentos mas
É uma perda de tempo, continuo lúcido
Odiosamente.

Em último recurso
Absorvido num ócio flácido e demente
Sorvo toda a turbulência do ruído
Até restar
A mudez picante do silêncio
E o coração regula-se
Com o ritmo
Do pêndulo do relógio, mas não o oiço
E abstraio todo o som, ficando aquele
Que vivo com, e nunca reparo
O som da pele
O som do frigorífico.

Os olhos não vêem, os ouvidos não ouvem
A mão direita sente no abstracto
O rijo tacto da maçã,
A bexiga assola o cérebro
Intoxicada, mas não ligo
Desobedeço
E regozijo de uma dentada na maçã
Sentindo os ácidos porosos
Ruidosamente na boca
Tenho agora na mão direita
Uma dentada na maçã, a Eva na minha mão.

O Adão? Não
Não quero esse cabrão
Quero a serpente
Não tenho medo do engano, só dos que vivem do engano
O diabo enganei-o eu
E rói-se de inveja de mim.

Tenho uma serpente no quintal
É essa criatura a maldição
Ou as dores de parto que o são?
Que espera alguém de quem vem
do ventre senão de um estranho?
É isso,

Sou um estanho
Sou o mal
Sou traição.

Sou serpente entre tantas outras
Brotei de um ventre igual a tantos outros
Sou ninguém como todos os que me rodeiam
Sou demente,
Um canal
Onde tudo vem, tudo vai, e nada passa
Aliás
Como tantos outros.

Sou o mal genuíno porque
Não me enquadro em nada do que vejo e do que faço
E que todos fazem
Sou ódio, mas não odeio
Não me revejo em nada, a tudo estou alheio,

Sou maldição
Sou animal
Sou inveja,

Espero portanto
Por uma explicação, ou um sinal que seja
Uma mão
Um papão
Algo que se veja
Ou
Trincarei a maçã até ao caroço
E os restos, no frigorífico
Apodrecerão.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

A dívida


Há pessoas a quem não agradecemos devidamente. Mas como é que se retribui, com palavras ou gestos, a alguém que em determinada altura foi o rochedo ao qual nos agarrámos quando o chão parecia fugir-nos por debaixo dos pés?
Não surgem na vida muitas pessoas assim, com aquele carácter sólido e o tom certo, assertivo, que nos ajuda a trazer para cima ou, simplesmente, que não nos deixa afundar no pântano. É preciso ter sorte para, na circunstância certa da vida, essa pessoa estar ao nosso alcance. Mais sorte ainda é necessária para que essa pessoa sequer exista. Nem toda a gente tem ou teve uma pessoa assim. Uma pessoa que pode ser um familiar, ou um amigo.
A mim aconteceu-me uma pessoa assim, com quem me sinto eternamente em dívida. Sei que não faz parte do perfil de alguém como a pessoa que aqui descrevo nos pedir um dia algo em troca.
E é isso que também nos faz sentir ainda mais em dívida.
Talvez a melhor forma de pagar a dívida seja aprendermos a ser melhores pessoas. Saber colocar os pés mais firmemente no chão e termos mais coragem a trilhar o nosso próprio caminho, sentindo que estamos entregues ao mundo, disponíveis para o mundo e menos centrados em nós próprios. Empreender, talvez, um “paid it forward” mesmo quando não nos sentimos preparados para isso. E por preparados refiro-me a realizados com os nossos próprios projectos. Eternos, inalcançáveis projectos. Deixá-los de lado, em “stand-by”, eis como pagar a dívida. Ou talvez emprestá-los aos outros, por um tempo indeterminado, talvez para sempre. Eis como pagar a dívida.
E sermos felizes assim. Felizes com as pequenas coisas, talvez sejam essas as grandes coisas. As coisas que interessam ao prepararmo-nos para a morte. Tudo depende, sempre, da perspectiva. Não há mal nenhum em prepararmo-nos para a morte na etapa os trintas. Não é sequer prematuro, é realista. Quanto mais cedo nos preparamos para a morte mais tempo de vida ganhamos, em todo o intervalo que perfaz o momento em que nos sentimos prontos para a morte e o momento em que ela se materializa.
E prepararmo-nos para a morte é não mais do que fazer as pazes com os outros, e ir ainda mais além e fazermos as pazes connosco. É visitar o quarto da nossa infância como quem chega ao fim da viagem. Como diria T.S. Elliot, “voltar ao ponto de partida e, pela primeira vez, conhecer esse lugar”. É revisitar os nossos amigos de infância, aprender que foi com eles que nós estivemos mais perto do eu mais verdadeiro. O eu que evitámos tantas vezes olhar de frente sempre que nos olhávamos ao espelho.
Revisitar os amigos de infância, trilhando o feno em câmara lenta. Revisitar os amigos de infância, como Ulisses a tornar a Ítaca.
É isso em que se traduz encarar a morte, sentir qual o nosso lugar, é por fim ouvir mais do que falar, é por fim voltar a encarar o espelho. É encontrarmos no abraço daquele amigo o nosso lugar. Sentir que o mundo pode acabar. Que não é preciso mais nada dizer, mais nada fazer. Que estamos bem. É isso o preparar para a morte. É o extenso caminho derivar para a casa velha, voltar a pisar o caminho invadido de heras, em direcção ao nosso pai, à nossa mãe.
É isso o preparar para a morte, tirar dos ombros o peso dos anos que tentámos ir mais além. Viver neste tempo que dista o dia em aceitámos o pacto de que somos finitos, até à consumação desse pacto, sem que nada o tempo nos leve que não aquilo de que já não precisamos. Vivermos para as pequenas coisas, e aceitarmos que vivemos para as pequenas coisas, e assim fazermo-nos ao caminho das pequenas coisas, trazendo todo o percurso de uma vida na palma de uma mão.
Eis como pagar a dívida. Obrigado João.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Memórias de infância

Nem só de Lucky Lukes e Marsupilamis vivia a imaginação jovem e imberbe deste vosso modesto servidor de posts nos anos 80-90. Este servidor de vasta panóplia de parafilias, acrescentaria eu, a maior parte das quais beberam da fonte inesgotável desta personagem singela, chamada Druuna. Que é uma personagem que em muito se assemelha a outras personagens da nossa infância, como a Branca de Neve, ou a Cinderela, ou a Chicholina. A verdade é que, conteúdo erótico à parte, esta é uma fabulosa obra de ficção científica com aquela ambiência futurista deteriorada, decadente, contaminada, corrompida e mutante, com traços estéticos que inspiram qualquer filme zombie. Uma preciosidade.