Há pessoas a quem não agradecemos devidamente.
Mas como é que se retribui, com palavras ou gestos, a alguém que em determinada
altura foi o rochedo ao qual nos agarrámos quando o chão parecia fugir-nos por
debaixo dos pés?
Não surgem na vida muitas pessoas assim, com
aquele carácter sólido e o tom certo, assertivo, que nos ajuda a trazer para
cima ou, simplesmente, que não nos deixa afundar no pântano. É preciso ter
sorte para, na circunstância certa da vida, essa pessoa estar ao nosso alcance.
Mais sorte ainda é necessária para que essa pessoa sequer exista. Nem toda a
gente tem ou teve uma pessoa assim. Uma pessoa que pode ser um familiar, ou um
amigo.
A mim aconteceu-me uma pessoa assim,
com quem me sinto eternamente em dívida. Sei que não faz parte do perfil de alguém
como a pessoa que aqui descrevo nos pedir um dia algo em troca.
E é isso que também nos faz sentir ainda mais em
dívida.
Talvez a melhor forma de pagar a dívida seja aprendermos a ser melhores
pessoas. Saber colocar os pés mais firmemente no chão e termos mais coragem a trilhar
o nosso próprio caminho, sentindo que estamos entregues ao mundo, disponíveis
para o mundo e menos centrados em nós próprios. Empreender, talvez, um “paid it
forward” mesmo quando não nos sentimos preparados para isso. E por preparados refiro-me
a realizados com os nossos próprios projectos. Eternos, inalcançáveis projectos.
Deixá-los de lado, em “stand-by”, eis como pagar a dívida. Ou talvez
emprestá-los aos outros, por um tempo indeterminado, talvez para sempre. Eis
como pagar a dívida.
E sermos felizes assim. Felizes com
as pequenas coisas, talvez sejam essas as grandes coisas. As coisas que
interessam ao prepararmo-nos para a morte. Tudo depende, sempre, da perspectiva.
Não há mal nenhum em prepararmo-nos para a morte na etapa os trintas. Não é
sequer prematuro, é realista. Quanto mais cedo nos preparamos para a morte mais
tempo de vida ganhamos, em todo o intervalo que perfaz o momento em que nos sentimos
prontos para a morte e o momento em que ela se materializa.
E prepararmo-nos para a morte é não mais do que fazer as pazes com os
outros, e ir ainda mais além e fazermos as pazes connosco. É visitar o quarto da nossa infância como
quem chega ao fim da viagem. Como diria T.S. Elliot, “voltar ao ponto de
partida e, pela primeira vez, conhecer esse lugar”. É revisitar os nossos
amigos de infância, aprender que foi com eles que nós estivemos mais perto do
eu mais verdadeiro. O eu que evitámos tantas vezes olhar de frente sempre
que nos olhávamos ao espelho.
Revisitar os amigos de infância, trilhando o feno em câmara lenta.
Revisitar os amigos de infância, como Ulisses a tornar a Ítaca.
É isso em que se traduz encarar a
morte, sentir qual o nosso lugar, é por fim ouvir mais do que falar, é por fim voltar
a encarar o espelho. É encontrarmos no abraço daquele amigo o nosso lugar.
Sentir que o mundo pode acabar. Que não é preciso mais nada dizer, mais nada
fazer. Que estamos bem. É isso o preparar para a morte. É o extenso caminho
derivar para a casa velha, voltar a pisar o caminho invadido de heras, em
direcção ao nosso pai, à nossa mãe.
É isso o preparar para a morte, tirar dos ombros o peso dos anos que
tentámos ir mais além. Viver neste tempo que dista o dia em aceitámos o pacto
de que somos finitos, até à consumação desse pacto, sem que nada o tempo nos
leve que não aquilo de que já não precisamos. Vivermos para as pequenas coisas,
e aceitarmos que vivemos para as pequenas coisas, e assim fazermo-nos ao caminho das
pequenas coisas, trazendo todo o percurso de uma vida na palma de uma mão.
Eis como pagar a dívida. Obrigado João.
Bem este é um teste ....vou colocar um LIKE pela forma como escreves, que me faz sempre procurar novas publicações. Esta em especial, foi motivo de troca de ideias com o Senhor teu pai.....daí ele te ter tentado enviar um comentário que foi parar a ele próprio, como já sabes.
ResponderEliminarBem mas isto é um teste....acabo já......este anónimo chama-se ANA
Li a tua crónica sobre A Dívida e vários sentimentos me ocorreram à medida que lia o texto.
ResponderEliminarUma parte é compreensível, a da dívida pròpriamente dita...
A Dívida perante a ajuda de outrem, familiar ou não, que, como por magia, estava no sítio certo, à hora certa, com uma força e determinação só possíveis na presença de uma certeza sem margem para dúvidas, sem dialéticas ou genes de indecisão.
Também compreendo o pay it forward, no fundo uma forma para pagar dívidas - que não tenham a ver com assuntos da máfia- dizia eu, uma forma de retribuição tão velha quanto o mundo.... Só espero que o nosso governo tenha isso em consideração no pagamento das pensões !!!!
Agora a tua abordagem sobre a morte é que me parece prematura. Percebo o que queres dizer, mas penso que essas considerações são mais próprias para quem a contagem decrescente é coisa pouca...
Obrigado pelos comentários.
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