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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Lista de compras

Foi mais um até já, um até logo. Como muitos, já foram tantos, são cada vez menos, mas parece que custa cada vez mais.

Calhou-me a mim desta vez o papel de partir, coisas da nossa profissão. E tu deste-me boleia, levaste-me à estação.

Subi à plataforma. Esperei pelo comboio que me levaria ao aeroporto. Tu voltaste para o automóvel que me trouxe a bom porto e vi-te partir, toda olhos aguentando as lágrimas e eu feito de nós apertando cá dentro. Seria fugaz a ausência, ambos sabíamos. Mais uma, apenas, e por uma semana, mas há coisas da história, feridas feitas de distância, que nos torna intolerantes aos momentos de partida. Somos como que os dois átomos de uma molécula de oxigénio.

“Falta o ar quando nos separamos” penso, expirando o ar baço da boca, levo a mão ao bolso do casaco de Inverno, que faz tempo que não uso, porque já não me lembro de um frio como este a abater-se sobre Lisboa. “Imagino como estará em Dijon”.

E eis que sinto um papel amarrotado dentro do bolso, quando já o placard da estação avisa que vai entrar na linha 1 o alfa pendular.

Retiro a bola de papel, desembrulho-a. É uma lista de compras escrita nas costas de um recibo de pagamento por multibanco. Uma lista antiga, claramente escrita quando estávamos algures no estrangeiro, ou quando estávamos juntos por cá, num inverno distante.

Irrompe o alfa pendular, enquanto leio a nossa lista de compras:
 
- Morangos
- Natas
- Seven Up
- Champanhe
- Batatas
- Ovos
- Iogurte grego
- Azeitonas

Coisa estranha. “Morangos no inverno? Champanhe? Que iriamos festejar? Ou, a avaliar pelo Seven Up, deveria ser para uma sangria de champanhe: seria?”. Não sei, é uma lista esquisita. Sei lá realmente onde estávamos quando escrevi este rol de compras.
Entro no comboio, encontro o meu lugar, arranjo um espaço para colocar a mala. Sento-me. E sinto os nós no estômago a tornarem-se lassos.

“O mais difícil já passou”. “Mas porque raio é sempre tão difícil, cada vez mais difícil?”
Apetece-me escrever-te, a ti e a mim, a colocar-nos esta questão. “Mas para quê? Não é preciso, isto diz tudo”, digo a mim mesmo, com a velha lista de compras na mão.

“Morangos, Natas, Seven Up, Champanhe, Batatas, Ovos, Iogurte grego, Azeitonas”

Repito a lista. Está aqui tudo, afinal. Pouco há de tão palpável para definir nós-dois, a molécula densa que dói na separação. De pouco valem mais palavras. Nós somos, tão simplesmente, essa lista de compras esquecida no bolso de um casaco. Ou qualquer outro detalhe que contenha tanto em tão pouco.

Um Feliz Natal para ti, 
para nós, 
para o nosso Gui.

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