...a reposição de um texto escrito 'a long time ago' num blogue 'far, far away'...
"Um wc público é um wc público, seja em que parte do mundo for. Porém, estou convencido que, em Portugal, os wc públicos são especialmente ilustrativos dos temas urbanos que episodicamente ali desaguam. Como tal, constituem um privilegiado espaço para profícuos estudos de sociologia. De facto, muita tinta corre nos azulejos dos wc públicos, que deveriam apenas reflectir as normais necessidades humanas e não outras porcarias que fazemos. A verdade é que a função das casas de banho que todos partilhamos há muito deixaram de ter apenas a sua função óbvia, passando a ser veículos de comunicação e propaganda, onde se expressam ideias, algo primárias, sobre clubismo e segregação, racismo e xenofobia (muita suástica se vê no cubículo de um wc), mas sobretudo sobre sexualidade, sob a forma de boçais mensagens de engate. Não direi de engate gay, pois acredito que gays não procurem parceiros escrevendo os contactos telefónicos nas paredes e muito menos deixando mensagens como: “fasso XXXXXX” ou “XXXX-XX o pao todo”. Atribuo o conteúdo (e também a forma) de tais mensagens a diminuídos mentais que se dão ao trabalho de sacar de uma caneta e perder tempo a escrever uma frase e deixar o respectivo número de telefone, certamente de alguém que querem chatear ou, pior ainda, deles próprios. Enfim, à parte esta polémica, é sempre bom testemunhar o bom português que se escreve nas “nossas” casas de banho. Não necessariamente textos com um cariz clubista/racista/sexual, mas sempre textos muito bem escritos. Há, por exemplo, outro género de artistas, que preferem dedicar-se a recados de sabedoria popular ou a pequenos ensaios de alta qualidade literária. Lembro-me sempre do clássico “Lá fora és um gajo valente, aqui cagaste todo”, um prodígio da gramática portuguesa. O meu problema com os wc públicos é que não consigo passar sem eles, dependo inevitavelmente deles, apesar do espectáculo aterrador que recorrentemente oferecem. Se dou um passeio num centro comercial, preciso de ir pelo menos uma vez à casa de banho. Se ficar por lá a jantar, pelo menos duas. Se depois for ainda ao cinema, certamente mais do que três. Sou, portanto, um WCinéfilo. Espectador assíduo, não só dos filmes que passam em cartaz, mas também do espectáculo que perpassa no palco de todos nós, que retrata quem somos e, certamente, de onde todos viemos."
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