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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Perigos dos eufemismos

Fui hoje ao Albert Heijn comprar, entre outras coisas, nutritivos souvenirs para o pessoal que vou reencontrar no meu regresso a Gondor. E perante tantas stroopwaffels que a rapariga da caixa estava a registar à minha conta tive a necessidade de lhe revelar "sabe, não é tudo para mim... são prendinhas que levo comigo no regresso à minha terra Natal", "Ah, que giro, e de onde é?", "de Portugal", "deve lá estar muito mais calor que aqui, não?", "não faço a mínima ideia". Perguntam-me sempre como está o tempo em Portugal e nunca sei responder. Mas não foi isso que me veio à cabeça, foram os iogurtes Activia na prateleira dos frios. Devem ser os únicos iogurtes que os holandeses importam. Se desenharmos um diagrama de Venn em que num conjunto estão os iogurtes do Jumbo e no outro os do Albert Heijn, na sua intercepção estarão apenas os iogurtes Activia. Parecem ser um fenómeno. Mas sempre que os vejo nas prateleiras do super-mercado não consigo evitar de imaginar o anúncio aos ditos iogurtes em Portugal (que talvez seja a adaptação da publicidade noutros sítios). É uma publicidade carregada de eufemismos, mas nem sempre um eufemismo consegue esconder o verdadeiro peso das palavras que engenhosamente dissimula. E o pior é que é um anúncio a iogurtes, ora, misturar deliciosos produtos lacticínios com momentos privados de que só Deus sabe o que lá se passa, nunca me pareceu boa ideia. E mais: não imagino nenhuma arte capaz de fazer sublimar a mensagem (não direi repugnante, mas pelo menos não susceptível de abrir o apetite) de uma dejecção, de forma a torná-la "sexy" enquanto associada ao acto de comer um iogurte. É que a coisa fica muito sobreposta, o WC e o iogurte.
E depois ouvimos todos aqueles ridículos eufemismos, como “sinto-me, sei lá, inchada” e “com Activia fiquei muito mais leve”, enquanto vemos a imagem de uma seta a descer barriga abaixo, como que anunciando graficamente todo o produto do intestino grosso a fluir alegremente, rumo à liberdade. Sei que muitas mulheres têm problemas de prisão de ventre. Alguns homens também. Mas fossem todos como eu e o iogurte não teria grande taxa de sucesso de vendas. Pelos vistos tem, ainda bem para ele, e para todos os Jejunos que dele beneficiam. Mas não consigo evitar de ver sempre o anúncio puro e duro, para além dos eufemismos: “Epá, tenho andado mesmo mal da barriga”, “que tens”, “há semanas que não faço nada… e ando sempre com a sensação de ter na barriga um cagalhão do tamanho do mundo”, “Epá, toma Activia, vais ver que isso passa”, “Tinhas razão, depois de comer Activia parece que já acertei o relógio”, “Conseguiste?”, “Se consegui? Caguei que nem uma desalmada! Até me vieram as lágrimas aos olhos”, “Ena, ena, isso é que deve ter sido um verdadeiro concerto de Wagner no WC”, “Qual concerto do Wagner, aquilo parecia era uma guerra nuclear”, “Mas ouve lá, quantos iogurtes comeste tu?”, “Bem, sei lá, ontem comi uns cinco”, “Cinco??? Qual relógio qual quê, amiga, tu estás é de caganeira”. Enfim, eu aqui como iogurtes da marca Albert Heijn. São cremosos. Com alguns E’s, mas baratinhos.

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