a-chave-dicotómica

a-chave-dicotómica

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O ringue que nos resta

N’ “A linha geral” de Sergei Eisenstein, quando dois camponeses estão a implorar certos direitos a um suposto suserano, este levanta-se da poltrona e as suas costas cobrem todo o ecrã, “esmagando-os” na imagem. No cinema, a força da imagem e do seu valor simbólico têm sido também esmagados pelas fórmulas comerciais do consumo rápido e descartável. Valem alguns cineastas que vão filmando contra a maré, como é o caso de Darren Aronofsky.
“The fountain” pareceu-me, no entanto, um recuo num dos elementos mais fundamentais da sua cinematografia: a estrutura. Em “Pi” a riqueza estética e do subtexto servem um argumento bem estruturado, uma história bem contada. Já em “The fountain”, o excessivo recurso ao simbolismo e um enredo demasiado intrincado, místico, fatiado em complexas camadas temporais, serviram apenas para obscurecer ainda mais uma ideia não muito clara, num exercício estético algo imaturo. O resultado foi, na minha opinião, uma história algo frágil, apesar de ter saboreado, a cada minuto, todos os seus adornos estéticos.

Em contraste com “The fountain”, “The wrestler” é um filme aparentemente simples. Randy, o protagonista (ex-wrestler), é quase sempre filmado de costas, numa perspectiva semelhante àquela dos espectáculos de wrestling, em que a câmara segue os ombros colossais dos seus ídolos enquanto estes atravessam corredores de gente em direcção ao ringue onde irão “esmagar” o adversário.
Mas desta feita não é Randy que esmaga os outros, é o vazio na sua frente que o esmaga. A solidão, o desprezo do mundo que o rodeia, as dificuldades económicas que enfrenta, o “shitty Job” que tenta desenrascar para poder ir a um bar de strippers, onde tem de pagar a uma mulher para ter uma amiga com quem falar. Um “destroço humano” como referiu Nuno Markl na sua crítica. Mas não sendo um super-homem, Randy também não é menos humano do que nós. Na sua personagem podemos projectar a nossa própria vida. Porque no final, depois de mais ou de menos espectáculo, a família é o ringue que nos resta. Uma família, um amigo que seja. Se não os temos, mais tarde ou mais cedo perguntar-nos-emos se terá valido a pena a luta. Tal como Randy, muitos pensarão que teria sido melhor morrer em combate, mesmo que os combates tenham sido uma farsa, não interessa. Foram os nossos combates. No nosso ringue imaginário. Fora dele a vida é por vezes um palco bem mais cruel. A força de “The wrestler” está na sua subtileza. A narrativa é linear e simples. E o resultado é uma obra sólida, elegante, poética.

Sem comentários:

Enviar um comentário