Começar o ano com Black Swan. Bom guardá-lo para a transição 2011-2012, esse grande de Darren Aronofsky que mais do que ninguém sabe fazer personagens e levá-los ao limite, além de ser obsessivo com a estrutura da história e a sua expressão estética, o que, no seu conjunto, vem fazendo dele um dos meus cineastas preferidos, já desde Pi e Requiem for a dream.
A dualidade entre o branco e o negro, o branco por fora, bem conservado num quarto que vem perpetuando o lado virginal da infância, revelando uma patológica relação com a mãe que mantém a princesa refém no seu castelo, pois foi também pela princesa que ela abdicou de ser alguém na vida, para se dedicar a ser mãe. Mãe com os seus tentáculos frígidos que esculpem a mente da menina-prodígio e inibem o golpe de asa, o soltar-se de si mesma, o rasgar a capa, o rasgar o branco e revelar o negro que é o lado sedutor, o lado perverso, a mulher que se tem dentro.
E essa mulher tem que ser revelada. Porque a vida, e a profissão precisam dela. O Lago dos Cisnes e o encenador clamam por ela, porque a menina perfeccionista, por si só, não chega, não serve. A Arte precisa da mulher, mas a mãe precisa da menina.
O resultado é um duelo brutal entre a Mãe e a Arte, que Natalie Portman executa na perfeição, esse escalar de uma espiral obsessiva em que o lado racional e o animal/libido se digladiam até á morte. E só na vertigem da morte ela se reencontra com o seu lado selvagem.
Ao mesmo tempo, ler boa FC portuguesa, como o excelente “Se acordar antes de morrer” de João Barreiros, tem sido alimento nutritivo este início 2012, não sei se fertilizando o meu lado racional ou o lado selvagem, pois toca em temas e universos que tenho dentro em estado líquido. Nesta fase – recta final do PhD - em que o lado racional deveria sobrepor-se ao outro, a coisa anda difícil. Ego e ID também se guerreiam em espectadores do cisne negro.
Aronofsky sabe disso. Mas também Andrés Heinz, Mark Heyman e John J. McLaughlin, escritores e guionistas de Black Swan, a quem em 2011 um senhor ficou a dever um grande favor. Um senhor chamado Oscar.
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