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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O caso arquivado "4 x 4"

Um dia o Prof. Duarte mandou-nos fazer uma composição acerca de um dos nossos colegas da turma. E é com muita pena que não me lembro sobre qual personalidade versou o meu texto, mas acredito que tenha sido um longo e pormenorizado ensaio que, estivesse ele vivo, anexa-lo-ia garantidamente aqui nas minhas crónicas. Acredito porém que me tenha escudado, quer por preguiça quer por cobardia, num colega cuja personalidade fosse bastante conspícua e vincada, tornando-me a tarefa mais fácil. Digamos o Nuno Vivas, por hipótese. É por isso que, se de mais nada me lembro acerca desse dia, lembro-me que admirei, quase com veneração, a coragem do Gustavo ao fazer a sua escolha.

O Gustavo escolheu o João Luís. Mais correctamente, João Luís Assude. E se do meu texto não me lembro, o do Gustavo continua fresco na minha memória:

«O João Luís é atinadinho/

tem uma grande cabeça de jipe/

e é bom rapaz».

Foi um texto sucinto, a isso tem que se fazer justiça, mas não deixou mesmo assim de levantar o véu de uma pequena dúvida. O que é uma cabeça de jipe?

Não me lembro se o Prof. Duarte nessa altura teve a coragem política de colocar a questão em cima da mesa, mas devia. A verdade é que eu andei estes anos todos sem saber o que era uma “cabeça de jipe” e por que tinha João Luís essa alcunha.

Por que é que Deus, quando alinhou todas as criaturas para lhes dar cognomes, concluiu «…e tu, meu caro João Luís, vais ser o ‘Cabeça de Jipe’».

Que o D. Dinis era o Lavrador a gente percebe, mas não se entende o porquê da origem desse cognome que etiquetou o nosso amigo. Não se entende, ou não entendi eu, durante muitos anos. Mas, ou não fosse este vosso escrevente um excelso cientista, fui finalmente investigar.

Como em qualquer outra matéria científica, fui olhar retrospectivamente para factos objectivos. O que é que o João Luís, para além de ser de facto bom rapaz, de agradável trato e estilo recatado… o que é que ele tinha? Tal como eu, João Luís tinha, e ainda terá se bem que mais disfarçada, uma cicatriz no centro testa. Fui olhar-me ao espelho. A minha cicatriz com dois pontos, que apesar de ténues estão ainda marcados, é uma cicatriza horizontal, estilo Frank N’ Stein mas em ponto pequeno. Porque o tamanho do cérebro que importaram para a minha cachola não justificava uma cicatriz maior.

Já a cicatriz do João Luís era uma cicatriz vertical, talvez com 3 ou 4 pontos. O que me leva a perguntar «como raio é que isso se assemelha a um jipe?». E por que é que não era, também eu, um jipe? Não direi um daqueles grandes, tipo Land Rover, mas pelo menos um Mitsubishi Samurai. Porque não?

E EURECA, descobri. Porque não tinha nada a ver com jipes. O incompetente que baptizou o nosso amigo João Luís não se referia a nada da indústria automóvel. Referia-se à indústria da moda. De facto a cicatriz não se assemelha a um JIPE.

Assemelha-se, isso sim, a um ZIP!

Ou, como mais comummente se designa, um fecho eclair. É por isso que valem a pena estas análises a posteriori, qual série “Casos arquivados” que tanto passa na televisão. Aposto que em todos estes anos andou tanta gente enganada. Não era Jipe, ó analfabeto-que-baptizou-o-João-Luís, era Cabeça-de-Zip que querias dizer.

Agora sim, faz todo sentido. E até estou a ver a cena. Se eu e o João Luís fossemos um fato, ele seria o fecho central do casaco, enquanto eu seria uma das bolsinhas laterais. Para pôr o telemóvel, por exemplo. Ou, caso fosse um fato de escuteiro “coronel tapioca”, eu poderia ser ainda aquele fecho zip que destaca as pernas das calças tornando-as calções. Inúmeras utilizações teríamos, eu e o João Luís, no mundo da moda.

Mas voltando à escola, agora com a cabeça mais desanuviada, o João Luís era de facto - e mais uma vez repito, plagiando o Gustavo – um bom rapaz. Atinado e discreto. O problema é que ele era talvez demasiado discreto, porque tenho dificuldade em recordá-lo nos cenários onde os nossos jogos de recreio se espraiavam.

Por exemplo, no campo de futebol, vejo claramente o João Carlos à baliza, o Gustavo à defesa, o Zé Manel no meio campo, o Pedro Inocêncio no ataque, e até vejo, lá ao fundo, o Fernando sempre à mama. Mas não me lembro de ver lá o João Luís.

E se a verdade é que o desporto não era uma das suas especialidades, também não me recordo muito dele noutros nobres jogos e saudáveis brincadeiras, como o “cú à parede” ou o “mata coelhos”, ou mesmo as clássicas brincadeiras com os vintage StarWars ou os Masters do Universo que se faziam em alguns aniversários, quando lá calhava.

Lembro-me que cada um de nós tinha um estilo diferente a brincar com os bonecos. Eu tentava criar longas histórias de aventura, com emoção e romance. Já o Luís Laranjeira, num dos meus aniversários, dominou toda a brincadeira pegando nos bonecos e lançando-os uns contra os outros, como se de pinos de bowling se tratassem. “E lá vai o Han Solo: “Pumba! Todos mortos!”.

Não Luís, não é assim. Não estão todos mortos.

E não estão mortos porque os bonecos não são todos a mesma coisa, eles têm a sua individualidade. Por exemplo, o Admiral Acbar nem sequer estaria no campo de batalha. Ele não é um guerreiro, é um intelectual! O que aliás se vê logo, a avaliar pelo ar papudo.

É engraçado como os nossos bonecos de infância são dos objectos mais íntimos que tivemos. Mais do que se pensa. Eu, por exemplo, baptizava-os com nomes que ocorriam na minha mente super-criativa. Nomes como “Onun Anomrac”, “Ordep Ariejnaral”, “Iur Ednas” ou “Suil Snitram”.

Vês Luís, aquele boneco que arremessaste tem o teu nome: Suil. Luís ao contrário.

Mas isto para voltar a outro Luís, o João, e à sua ausência aquando das nossas brincadeiras. Afinal, onde é que andava o João Luís?

Oh, mas que cabeça de jipe, a minha. É óbvio. Estava, também, a jogar StarWars. Mas no ZX Spectrum. No mítico Zx Spectrum.

Lá, pelo menos, no seu recato, os personagens não eram lançados uns contra os outros como pinos de bowling. E no Match day todos se esforçavam. Não havia lá daqueles que estão sempre à mama.

3 comentários:

  1. E la vai o cabeça de Zip... ups não fui eu... sorry ok... Abraço

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  2. A frase de marca do Assude era "Tenho jogos novos!"

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  3. Suil: tu até eras bem capaz. Naquela altura tinhas mais corpanzil que a média do pessoal :)

    Onun: têm-me "acusado" de ter boa memória mas tu não ficas atrás. Acrescentas sempre qualquer pormenor às histórias. Era de facto a "catch phrase" do João Luís: "Tenho jogos novos!"
    Tinha medo de cometer uma injustiça ao insinuar que ele era viciado em Spectrum, mas deixaste-me mais descansado.

    Não que durma completamente descansado. Devo estar para aqui a arranjar inimigos sem saber. Espero que não...

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