Quando escrevi Anima lusa tinha em mente tecer uma metáfora
acerca do jugo do ajustamento económico imposto aos países do sul da Europa, pelos
tais alienígenas aracnídeos, que falavam um português com um sotaque estranho:
os tais ZeckenKöpfen. Estava ciente
da ambiência soturna e apocalíptica ao estilo da “Feira dos Imortais” (de Enki
Bilal), que imprimi ao conto. Mas só quando vi “Enemy” de Denis Villeneuve, baseado
no romance “O homem duplicado” (2002), de José Saramago, é que percebi de onde
vinham as raízes das minhas verdadeiras influências.
Não pude deixar de encontrar alguns
pontos de ligação entre a Lisboa invadida que concebi e o caos calmo da cidade
de Toronto recriada no filme de Villeneuve, ambas dominadas por uma força sub-reptícia,
manietadas por uma teia invisível.
SPOILER ALERT:
Na verdade, depois de rever “Enemy”,
e de ler algumas críticas sobre este filme, clarificou-se na minha cabeça que é
uma obra filogeneticamente enraizada no tema “Invasion of Body Snatchers”, o
qual já deu tantas versões e variantes. Parece-me que, sem ter ainda lido “O
homem duplicado”, que Javier Gullón (argumentista) e Villeneuve o adaptaram fazendo-o
coalescer com a família de temas que nasceram da obra de 1955 de Jack Finney.
Mas não tenho a certeza disso, nem nunca terei, e essa é uma parte do charme deste
filme, que convém não desmascarar. Está longe de ser um filme perfeito, falha em
ter um enredo sólido e uma progressão dramática eficaz, parece que se perde ali
no último terço, o protagonista esvazia-se, perde o “drive”, dilui-se na história. Mas é um filme que tem “qualquer coisa”, que de resto é para
mim o mais importante que um filme deve ter – essa tal qualquer coisa, o
elemento que subjaz para além da história. Algo que nos põe em dúvida, até em
causa, e nos faz reflectir acerca daquilo que acabámos de assistir no ecrã.
Seja como for, já tenho mais um
livro para ler nas férias.
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