a-chave-dicotómica
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Whatever works
Será que dois "super-egos" judaico-niilistas, narcisos e partidários da auto-comiseração, cabem no mesmo filme? Está bem que Woody Allen em alguns dos seus últimos filmes divergiu do estilo obsessivamente centrado em si próprio, nomeadamente em Match Point. Neste filme constrói mesmo um protagonista que é a antítese de si próprio, qual Cálicles, personagem que Platão inventa em “Górgias”, para quase destruir a sua própria doutrina nesse diálogo socrático. Em Match Point é a mera sorte que se opõe à justiça universal, protegendo o protagonista contra todas as vozes de um coro grego que gritam nas nossas consciências, mas vergam-se no fim, face a um filme impecavelmente amoral. Sem artifícios, sem penas, sem efeitos secundários. Apenas o som trágico de algumas árias de ópera adornando o passing shot sobre o espectador impotente. E deu-me a sensação que Allen estava ali connosco, partilhando esta impotência da condição humana, mais filosófica, menos pseudo-intelectual. Mas será que este animal mitológico Allen-David terá asas para voar? Como dizia Sérgio Godinho “pode alguém ser quem não é?”
A verdade é que Woody Allen continuará a ser Woody Allen e de Larry David nem se fala. Será que menos com menos dá mais? Não sei, estou céptico quanto ao resultado, mas enfim, “whatever works”, como já nos vão avisando no próprio título do filme.
A verdade é que Woody Allen continuará a ser Woody Allen e de Larry David nem se fala. Será que menos com menos dá mais? Não sei, estou céptico quanto ao resultado, mas enfim, “whatever works”, como já nos vão avisando no próprio título do filme.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Para quem nunca percorreu Knight Lore e os seus labirintos
"My journey's end is near; as the last few ebbs of daylight dance fleetingly in the cooling twilight, and then suddenly dart off to chase the red sinking sun. Behind me I feel night's dark icy fingers slither up long looming shadows, hiding behind large mounds and boulders, watching my every move... silently waiting..."
Perigos dos eufemismos
Fui hoje ao Albert Heijn comprar, entre outras coisas, nutritivos souvenirs para o pessoal que vou reencontrar no meu regresso a Gondor. E perante tantas stroopwaffels que a rapariga da caixa estava a registar à minha conta tive a necessidade de lhe revelar "sabe, não é tudo para mim... são prendinhas que levo comigo no regresso à minha terra Natal", "Ah, que giro, e de onde é?", "de Portugal", "deve lá estar muito mais calor que aqui, não?", "não faço a mínima ideia". Perguntam-me sempre como está o tempo em Portugal e nunca sei responder. Mas não foi isso que me veio à cabeça, foram os iogurtes Activia na prateleira dos frios. Devem ser os únicos iogurtes que os holandeses importam. Se desenharmos um diagrama de Venn em que num conjunto estão os iogurtes do Jumbo e no outro os do Albert Heijn, na sua intercepção estarão apenas os iogurtes Activia. Parecem ser um fenómeno. Mas sempre que os vejo nas prateleiras do super-mercado não consigo evitar de imaginar o anúncio aos ditos iogurtes em Portugal (que talvez seja a adaptação da publicidade noutros sítios). É uma publicidade carregada de eufemismos, mas nem sempre um eufemismo consegue esconder o verdadeiro peso das palavras que engenhosamente dissimula. E o pior é que é um anúncio a iogurtes, ora, misturar deliciosos produtos lacticínios com momentos privados de que só Deus sabe o que lá se passa, nunca me pareceu boa ideia. E mais: não imagino nenhuma arte capaz de fazer sublimar a mensagem (não direi repugnante, mas pelo menos não susceptível de abrir o apetite) de uma dejecção, de forma a torná-la "sexy" enquanto associada ao acto de comer um iogurte. É que a coisa fica muito sobreposta, o WC e o iogurte.
E depois ouvimos todos aqueles ridículos eufemismos, como “sinto-me, sei lá, inchada” e “com Activia fiquei muito mais leve”, enquanto vemos a imagem de uma seta a descer barriga abaixo, como que anunciando graficamente todo o produto do intestino grosso a fluir alegremente, rumo à liberdade. Sei que muitas mulheres têm problemas de prisão de ventre. Alguns homens também. Mas fossem todos como eu e o iogurte não teria grande taxa de sucesso de vendas. Pelos vistos tem, ainda bem para ele, e para todos os Jejunos que dele beneficiam. Mas não consigo evitar de ver sempre o anúncio puro e duro, para além dos eufemismos: “Epá, tenho andado mesmo mal da barriga”, “que tens”, “há semanas que não faço nada… e ando sempre com a sensação de ter na barriga um cagalhão do tamanho do mundo”, “Epá, toma Activia, vais ver que isso passa”, “Tinhas razão, depois de comer Activia parece que já acertei o relógio”, “Conseguiste?”, “Se consegui? Caguei que nem uma desalmada! Até me vieram as lágrimas aos olhos”, “Ena, ena, isso é que deve ter sido um verdadeiro concerto de Wagner no WC”, “Qual concerto do Wagner, aquilo parecia era uma guerra nuclear”, “Mas ouve lá, quantos iogurtes comeste tu?”, “Bem, sei lá, ontem comi uns cinco”, “Cinco??? Qual relógio qual quê, amiga, tu estás é de caganeira”. Enfim, eu aqui como iogurtes da marca Albert Heijn. São cremosos. Com alguns E’s, mas baratinhos.
E depois ouvimos todos aqueles ridículos eufemismos, como “sinto-me, sei lá, inchada” e “com Activia fiquei muito mais leve”, enquanto vemos a imagem de uma seta a descer barriga abaixo, como que anunciando graficamente todo o produto do intestino grosso a fluir alegremente, rumo à liberdade. Sei que muitas mulheres têm problemas de prisão de ventre. Alguns homens também. Mas fossem todos como eu e o iogurte não teria grande taxa de sucesso de vendas. Pelos vistos tem, ainda bem para ele, e para todos os Jejunos que dele beneficiam. Mas não consigo evitar de ver sempre o anúncio puro e duro, para além dos eufemismos: “Epá, tenho andado mesmo mal da barriga”, “que tens”, “há semanas que não faço nada… e ando sempre com a sensação de ter na barriga um cagalhão do tamanho do mundo”, “Epá, toma Activia, vais ver que isso passa”, “Tinhas razão, depois de comer Activia parece que já acertei o relógio”, “Conseguiste?”, “Se consegui? Caguei que nem uma desalmada! Até me vieram as lágrimas aos olhos”, “Ena, ena, isso é que deve ter sido um verdadeiro concerto de Wagner no WC”, “Qual concerto do Wagner, aquilo parecia era uma guerra nuclear”, “Mas ouve lá, quantos iogurtes comeste tu?”, “Bem, sei lá, ontem comi uns cinco”, “Cinco??? Qual relógio qual quê, amiga, tu estás é de caganeira”. Enfim, eu aqui como iogurtes da marca Albert Heijn. São cremosos. Com alguns E’s, mas baratinhos.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Só há esta... é pra mim!
Mentira, cada vez vou menos ao cinema. Se há um filme a estrear sobre o qual tenho algumas expectativas já dou por mim a evitar ir vê-lo às salas de circuito comercial. Para quê, se o posso ver na minha tv panorâmica com um som dolby-não-sei-quê bastante razoavelzinho e sem ruídos adicionais de:
1) boçais mastigações pipocas;
2) toques de telemóveis (e pior, a serem atendidos durante a sessão);
3) grupos de pessoas a conversar umas com as outras como se estivessem no café.
Ver o filme em casa, no sofá, pode não ter o mesmo nível de espectacularidade que vê-lo no cinema, mas ao menos não despoleta os níveis de "quem pagou um bilhete para ficar o tempo inteiro irritado" com o comportamento desrespeitoso dos vizinhos do lado, a quem tentamos dissuadir com um violentíssimo golpe de estalido-de-língua, normalmente com uma considerável taxa de insucesso. Já lá vão os tempos em que o estalido-de-língua sortia algum efeito, e que havia mais civismo e (já agora) bom gosto nas salas de cinema. Mas este é o comentário típico de alguém na casa dos trintas. Somos por um lado os criançolas que se recusam a deitar fora (ou reciclar) os seus velhos bonecos da saga “Star wars” (a primeiríssima saga, com muito orgulho), bem como dos “Masters of the universe”, e por outro lado prematuros velhos rabugentos e nostálgicos acerca da magia da nossa geração, quem cresceu nos 80’s, nos 90’s, e continua a ligado ao imaginário de um “Jet set willy”, de um “Sabrewulf”” ou de um “Moon alert”.
A avaliar pela forma nostálgica como Nuno Markl também se refere ao mítico ZX Spectrum, entre outros ícones daquela altura, atrevo-me a incluí-lo também neste grupo de seres superiores, detentores da marca VG (ver primeiro post, se é que alguém lê isto). Ele vem também desta colheita magnífica, da geração da pantera cor-de-rosa (escrevi cor com o acento circunflexo mas o corrector de texto apagou-o, enfim, vou reprimir o apelo reaccionário). E a prova está nesta sua recente colecção de cromos. Desde o castelo de Grayskull lá ao fundo até à - já referida neste blog - latinha de leite Toddy, cujo sabor continua ainda hoje estampado, qual calquito, na nossa memória colectiva. Prometo que irei participar nesta iniciativa.
Talvez seja uma espécie de imatura velhice toda esta nostalgia. Uma coisa é certa, sentimos já o aperto de sermos uma espécie em vias de extinção. Outra geração de trintões tomará o nosso lugar, com outras referências. Julgaremos sempre que a nossa teve mais espaço para a fantasia, estivemos nas origens do que evoluiu hoje para um Nintendo Wii. Somos os dinossauros que sobreviveram às novas tecnologias. Admiramo-nos de quão perto já estamos da realidade virtual, mas acharemos sempre que nada chega aos calcanhares de um “Knight Lore” da grande “Ultimate”. E viva o Tron, já agora. Que este revivalismo vai também perpassar nas salas de cinema. Eu cá esperarei pelo dvd para o ver, calmamente, no conforto do meu sofá, longe dos grunhidos e vociferações adolescentes das salas Lusomundo.
1) boçais mastigações pipocas;
2) toques de telemóveis (e pior, a serem atendidos durante a sessão);
3) grupos de pessoas a conversar umas com as outras como se estivessem no café.
Ver o filme em casa, no sofá, pode não ter o mesmo nível de espectacularidade que vê-lo no cinema, mas ao menos não despoleta os níveis de "quem pagou um bilhete para ficar o tempo inteiro irritado" com o comportamento desrespeitoso dos vizinhos do lado, a quem tentamos dissuadir com um violentíssimo golpe de estalido-de-língua, normalmente com uma considerável taxa de insucesso. Já lá vão os tempos em que o estalido-de-língua sortia algum efeito, e que havia mais civismo e (já agora) bom gosto nas salas de cinema. Mas este é o comentário típico de alguém na casa dos trintas. Somos por um lado os criançolas que se recusam a deitar fora (ou reciclar) os seus velhos bonecos da saga “Star wars” (a primeiríssima saga, com muito orgulho), bem como dos “Masters of the universe”, e por outro lado prematuros velhos rabugentos e nostálgicos acerca da magia da nossa geração, quem cresceu nos 80’s, nos 90’s, e continua a ligado ao imaginário de um “Jet set willy”, de um “Sabrewulf”” ou de um “Moon alert”.
A avaliar pela forma nostálgica como Nuno Markl também se refere ao mítico ZX Spectrum, entre outros ícones daquela altura, atrevo-me a incluí-lo também neste grupo de seres superiores, detentores da marca VG (ver primeiro post, se é que alguém lê isto). Ele vem também desta colheita magnífica, da geração da pantera cor-de-rosa (escrevi cor com o acento circunflexo mas o corrector de texto apagou-o, enfim, vou reprimir o apelo reaccionário). E a prova está nesta sua recente colecção de cromos. Desde o castelo de Grayskull lá ao fundo até à - já referida neste blog - latinha de leite Toddy, cujo sabor continua ainda hoje estampado, qual calquito, na nossa memória colectiva. Prometo que irei participar nesta iniciativa.
Talvez seja uma espécie de imatura velhice toda esta nostalgia. Uma coisa é certa, sentimos já o aperto de sermos uma espécie em vias de extinção. Outra geração de trintões tomará o nosso lugar, com outras referências. Julgaremos sempre que a nossa teve mais espaço para a fantasia, estivemos nas origens do que evoluiu hoje para um Nintendo Wii. Somos os dinossauros que sobreviveram às novas tecnologias. Admiramo-nos de quão perto já estamos da realidade virtual, mas acharemos sempre que nada chega aos calcanhares de um “Knight Lore” da grande “Ultimate”. E viva o Tron, já agora. Que este revivalismo vai também perpassar nas salas de cinema. Eu cá esperarei pelo dvd para o ver, calmamente, no conforto do meu sofá, longe dos grunhidos e vociferações adolescentes das salas Lusomundo.
P.S.: Markl caminha na passadeira amarela, qual geração dos trintas a caminho do feiticeiro de Oz. Bem precisamos.
Por falar em "reciclagem"...
...a reposição de um texto escrito 'a long time ago' num blogue 'far, far away'...
"Um wc público é um wc público, seja em que parte do mundo for. Porém, estou convencido que, em Portugal, os wc públicos são especialmente ilustrativos dos temas urbanos que episodicamente ali desaguam. Como tal, constituem um privilegiado espaço para profícuos estudos de sociologia. De facto, muita tinta corre nos azulejos dos wc públicos, que deveriam apenas reflectir as normais necessidades humanas e não outras porcarias que fazemos. A verdade é que a função das casas de banho que todos partilhamos há muito deixaram de ter apenas a sua função óbvia, passando a ser veículos de comunicação e propaganda, onde se expressam ideias, algo primárias, sobre clubismo e segregação, racismo e xenofobia (muita suástica se vê no cubículo de um wc), mas sobretudo sobre sexualidade, sob a forma de boçais mensagens de engate. Não direi de engate gay, pois acredito que gays não procurem parceiros escrevendo os contactos telefónicos nas paredes e muito menos deixando mensagens como: “fasso XXXXXX” ou “XXXX-XX o pao todo”. Atribuo o conteúdo (e também a forma) de tais mensagens a diminuídos mentais que se dão ao trabalho de sacar de uma caneta e perder tempo a escrever uma frase e deixar o respectivo número de telefone, certamente de alguém que querem chatear ou, pior ainda, deles próprios. Enfim, à parte esta polémica, é sempre bom testemunhar o bom português que se escreve nas “nossas” casas de banho. Não necessariamente textos com um cariz clubista/racista/sexual, mas sempre textos muito bem escritos. Há, por exemplo, outro género de artistas, que preferem dedicar-se a recados de sabedoria popular ou a pequenos ensaios de alta qualidade literária. Lembro-me sempre do clássico “Lá fora és um gajo valente, aqui cagaste todo”, um prodígio da gramática portuguesa. O meu problema com os wc públicos é que não consigo passar sem eles, dependo inevitavelmente deles, apesar do espectáculo aterrador que recorrentemente oferecem. Se dou um passeio num centro comercial, preciso de ir pelo menos uma vez à casa de banho. Se ficar por lá a jantar, pelo menos duas. Se depois for ainda ao cinema, certamente mais do que três. Sou, portanto, um WCinéfilo. Espectador assíduo, não só dos filmes que passam em cartaz, mas também do espectáculo que perpassa no palco de todos nós, que retrata quem somos e, certamente, de onde todos viemos."
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Eles cagam tudo
Daí eu não entender por que diabo escolheram o Gervásio para dar nos dar o exemplo e alertar os seres humanos para a reciclagem. Aposto que, logo a seguir a nós, os chimpanzés posicionar-se-ão no topo do ranking dos animais que menos reciclam. Como diria o meu avô, irritado em plena condução, em jeito de insulto dirigido a outro condutor no meio do trânsito: "Aquele mamífero!.."
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
T.S.Elliot (autor da minha epígrafe? Muito provavelmente)
"We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time."
sábado, 28 de novembro de 2009
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Tess is my home
Do lado de fora, debaixo de uma chuva torrencial, o “fiel jardineiro” olha pelo vidro da portada o interior da sua casa, agonizando por nunca ter lá conseguido entrar. A casa, simbolizando a mulher, que ele nunca conseguiu alcançar. Metáforas do cinema, objectos simbólicos que ficam, pela sua força, retidos no meu imaginário, o meu pequeno sótão, onde Fernando Meireles tem o seu lugar.
Já lá vão alguns anos desde que “The constant gardener” passou no cinema, mas ainda hoje me sabe bem o estalo de luva branca. Saboreio a forma como o filme nos engana e nos encaminha para um plot de adultério, onde relegamos para segundo plano as verdadeiras intenções da suposta mulher adúltera. Colocamo-nos sempre, preconceituosa e egoisticamente, nos olhos do marido, e tal com ele descobrimos quão facilmente se desvaloriza uma causa.
A nossa casa cruza-se por vezes connosco nas ruas. Está nos outros, está também em nós. Mas nem ligamos, tão distraídos que estamos a cuidar, zelosamente, do nosso pequeno jardim.
Já lá vão alguns anos desde que “The constant gardener” passou no cinema, mas ainda hoje me sabe bem o estalo de luva branca. Saboreio a forma como o filme nos engana e nos encaminha para um plot de adultério, onde relegamos para segundo plano as verdadeiras intenções da suposta mulher adúltera. Colocamo-nos sempre, preconceituosa e egoisticamente, nos olhos do marido, e tal com ele descobrimos quão facilmente se desvaloriza uma causa.
A nossa casa cruza-se por vezes connosco nas ruas. Está nos outros, está também em nós. Mas nem ligamos, tão distraídos que estamos a cuidar, zelosamente, do nosso pequeno jardim.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
O ringue que nos resta
N’ “A linha geral” de Sergei Eisenstein, quando dois camponeses estão a implorar certos direitos a um suposto suserano, este levanta-se da poltrona e as suas costas cobrem todo o ecrã, “esmagando-os” na imagem. No cinema, a força da imagem e do seu valor simbólico têm sido também esmagados pelas fórmulas comerciais do consumo rápido e descartável. Valem alguns cineastas que vão filmando contra a maré, como é o caso de Darren Aronofsky.
“The fountain” pareceu-me, no entanto, um recuo num dos elementos mais fundamentais da sua cinematografia: a estrutura. Em “Pi” a riqueza estética e do subtexto servem um argumento bem estruturado, uma história bem contada. Já em “The fountain”, o excessivo recurso ao simbolismo e um enredo demasiado intrincado, místico, fatiado em complexas camadas temporais, serviram apenas para obscurecer ainda mais uma ideia não muito clara, num exercício estético algo imaturo. O resultado foi, na minha opinião, uma história algo frágil, apesar de ter saboreado, a cada minuto, todos os seus adornos estéticos.
Em contraste com “The fountain”, “The wrestler” é um filme aparentemente simples. Randy, o protagonista (ex-wrestler), é quase sempre filmado de costas, numa perspectiva semelhante àquela dos espectáculos de wrestling, em que a câmara segue os ombros colossais dos seus ídolos enquanto estes atravessam corredores de gente em direcção ao ringue onde irão “esmagar” o adversário.
Mas desta feita não é Randy que esmaga os outros, é o vazio na sua frente que o esmaga. A solidão, o desprezo do mundo que o rodeia, as dificuldades económicas que enfrenta, o “shitty Job” que tenta desenrascar para poder ir a um bar de strippers, onde tem de pagar a uma mulher para ter uma amiga com quem falar. Um “destroço humano” como referiu Nuno Markl na sua crítica. Mas não sendo um super-homem, Randy também não é menos humano do que nós. Na sua personagem podemos projectar a nossa própria vida. Porque no final, depois de mais ou de menos espectáculo, a família é o ringue que nos resta. Uma família, um amigo que seja. Se não os temos, mais tarde ou mais cedo perguntar-nos-emos se terá valido a pena a luta. Tal como Randy, muitos pensarão que teria sido melhor morrer em combate, mesmo que os combates tenham sido uma farsa, não interessa. Foram os nossos combates. No nosso ringue imaginário. Fora dele a vida é por vezes um palco bem mais cruel. A força de “The wrestler” está na sua subtileza. A narrativa é linear e simples. E o resultado é uma obra sólida, elegante, poética.
“The fountain” pareceu-me, no entanto, um recuo num dos elementos mais fundamentais da sua cinematografia: a estrutura. Em “Pi” a riqueza estética e do subtexto servem um argumento bem estruturado, uma história bem contada. Já em “The fountain”, o excessivo recurso ao simbolismo e um enredo demasiado intrincado, místico, fatiado em complexas camadas temporais, serviram apenas para obscurecer ainda mais uma ideia não muito clara, num exercício estético algo imaturo. O resultado foi, na minha opinião, uma história algo frágil, apesar de ter saboreado, a cada minuto, todos os seus adornos estéticos.
Em contraste com “The fountain”, “The wrestler” é um filme aparentemente simples. Randy, o protagonista (ex-wrestler), é quase sempre filmado de costas, numa perspectiva semelhante àquela dos espectáculos de wrestling, em que a câmara segue os ombros colossais dos seus ídolos enquanto estes atravessam corredores de gente em direcção ao ringue onde irão “esmagar” o adversário.
Mas desta feita não é Randy que esmaga os outros, é o vazio na sua frente que o esmaga. A solidão, o desprezo do mundo que o rodeia, as dificuldades económicas que enfrenta, o “shitty Job” que tenta desenrascar para poder ir a um bar de strippers, onde tem de pagar a uma mulher para ter uma amiga com quem falar. Um “destroço humano” como referiu Nuno Markl na sua crítica. Mas não sendo um super-homem, Randy também não é menos humano do que nós. Na sua personagem podemos projectar a nossa própria vida. Porque no final, depois de mais ou de menos espectáculo, a família é o ringue que nos resta. Uma família, um amigo que seja. Se não os temos, mais tarde ou mais cedo perguntar-nos-emos se terá valido a pena a luta. Tal como Randy, muitos pensarão que teria sido melhor morrer em combate, mesmo que os combates tenham sido uma farsa, não interessa. Foram os nossos combates. No nosso ringue imaginário. Fora dele a vida é por vezes um palco bem mais cruel. A força de “The wrestler” está na sua subtileza. A narrativa é linear e simples. E o resultado é uma obra sólida, elegante, poética.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Quando os vampiros nos entram adentro
Desde o célebre e expressionista "Nosferatu" de Murnau que muito se tem ficcionado sobre vampiros no cinema. É fácil pegar nos habituais clichês do próprio tema, que só por pelo seu cariz ambíguo de horror sensual é sempre uma fórmula apetecível. Como adepto de filmes de vampiros, confesso que vi muito lixo pelo caminho, com raras excepções. Mas o caminho trouxe-me aqui. É como aquele poema, que é a síntese de todos os poemas, que não nos sai da cabeça mas não sabemos expressá-lo. As palavras, essas, andam soltas, tal como as peças de um cubo mágico impossível de decifrar. Às vezes encontramos peças desse poema na beleza de uma música que alguém compôs há séculos atrás.
Este filme tem muitas peças de um poema que está para além de um filme de género. É uma obra de arte que deve ser vista para além da metáfora do sangue. Metáfora, aliás, jamais tão bem conseguida. Nunca o sangue foi tão belo com em “Låt den rätte komma in”, título que só por si deixa revelar o ponto de vista de Tomas Alfredson como criador. Original e majestoso, deixemo-lo entrar. É demasiadamente belo para não ser visto.
Este filme tem muitas peças de um poema que está para além de um filme de género. É uma obra de arte que deve ser vista para além da metáfora do sangue. Metáfora, aliás, jamais tão bem conseguida. Nunca o sangue foi tão belo com em “Låt den rätte komma in”, título que só por si deixa revelar o ponto de vista de Tomas Alfredson como criador. Original e majestoso, deixemo-lo entrar. É demasiadamente belo para não ser visto.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Chegou a hora de fazer um balanço
Posts: 6
Comentários: 4 (25% do autor do blogue)
Seguidores: 1
Prémios da imprensa: 0
Prémios da crítica: 0
Objectivos para o próximo ano:
1º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho".
2º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho mais novo".
3º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho de Quinchaça".
Comentários: 4 (25% do autor do blogue)
Seguidores: 1
Prémios da imprensa: 0
Prémios da crítica: 0
Objectivos para o próximo ano:
1º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho".
2º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho mais novo".
3º objectivo: Ultrapassar o número de seguidores do blogue "O Arrumadinho de Quinchaça".
sábado, 16 de maio de 2009
"Congratulations", featuring "Eremita inserto, ou um phd procrastinador"
Adaptámos um pouco a letra da célebre canção de Cliff Richard, esse senhor productor de vinho e adepto da IURDE, ao dia-a-dia de um bolseiro de doutoramento:
Versão original:
"Congratulations
And celebrations
When I tell everyone that you’re in love
With me,
Congratulations
And jubilations
I want the world to know I’m happy as can be."
Versão adaptada:
"Procrastination
And desperation
When everyone tell me I have one year left
Of my phd,
Procrastination
And consternation
When all those people shouting and pointing the finger is me."
Versão original:
"Congratulations
And celebrations
When I tell everyone that you’re in love
With me,
Congratulations
And jubilations
I want the world to know I’m happy as can be."
Versão adaptada:
"Procrastination
And desperation
When everyone tell me I have one year left
Of my phd,
Procrastination
And consternation
When all those people shouting and pointing the finger is me."
O mestre da procrastinação
Há tempos um colega de projecto contou-me uma anedota relacionada com phd's. Foi então que lhe falei de Joge Cham. No mundo de bolseiros de doutoramento, que é já um mundo muito abrangente, Jorge Cham é uma referência incontornável.
Ironicamente, hoje Jorge Cham é conhecido, não pelo seu percurso científico, mas pela banda desenhada que foi durante anos o escape ao terrível monstro que se acumulava à sua espera, a sua tese de doutoramento. O cartoon que escolhi é apenas um exemplo de muitos.
Ele sofreu, a bom sofrer, de um mal comum a todos os doutorandos, esse terrível parasita que se infiltra e se apodera dos estados de ânimo de qualquer verde e incauto estudante de doutoramento. Não será o mal-branco que José Saramago designou no seu ensaio sobre a cegueira mas é um mal-fare-niente, a famosa e tão bem retratada por Jorge Cham, procrastinação.
Por vezes, também vemos tudo branco, o futuro, o fim do caminho. E na imensa dificuldade de sairmos do mar espesso da inércia, de enfrentar o gigante monstro que a cada dia se amontoa e se alimenta de todo o tempo que perdemos sem render, sem produzir, sem obter resultados, o que é que fazemos? Jogamos mahjong.
Mas é só um exemplo. Muitas são as fugas possíveis ao inevitável tempo que se encurta e quantidade de trabalho que se adensa. Mas por aqui me fico. O que interessa destacar é que a procrastinação é um mal transversal, um trait universal da classe "phd". Jorge Cham aplicou, e muito bem, os efeitos desse mal-fare-niente a fazer bandas desenhada que hoje têm projecção internacional, dentro da classe "phd" e não só. É que a procrastinação é uma "doença" que pode ser entendida por grande parte das pessoas.
Ironicamente, hoje Jorge Cham é conhecido, não pelo seu percurso científico, mas pela banda desenhada que foi durante anos o escape ao terrível monstro que se acumulava à sua espera, a sua tese de doutoramento. O cartoon que escolhi é apenas um exemplo de muitos.
PS: os blogues podem ser também uma bela fonte de procrastinação....
sexta-feira, 15 de maio de 2009
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Grand rasgo filosofico-poético, composto por duas quadras e um dueto
Na vida, tal como numa chave dicotómica, seguimos um caminho feito de opções. Numa chave dicotómica, porém, fazemos boas ou más opções em cada bifurcação, no final só há uma espécie correcta.
Na vida já não é assim, a cada bifurcação, cada impasse, nem sempre há decisões correctas vs. incorrectas, apenas decisões que custam mais e que custam menos. A minha dica é, contra toda a lógica e lugares-comuns, decidir sempre pelo que custa menos.
Foi assim que vim parar akky
Por cima do leite Toddy
Na vida já não é assim, a cada bifurcação, cada impasse, nem sempre há decisões correctas vs. incorrectas, apenas decisões que custam mais e que custam menos. A minha dica é, contra toda a lógica e lugares-comuns, decidir sempre pelo que custa menos.
Foi assim que vim parar akky
Por cima do leite Toddy
domingo, 10 de maio de 2009
Por falar em marcas
Vasco Granja morreu
Morreu o pai da Pantera, vi-o esta semana pela televisão. Senti uma espécie de arrepio, como se tivesse recebido a notícia da morte de um parente próximo. É que Vasco Granja faz parte de quem eu sou, e de muitos da minha geração. Foi através dele que fizemos dos filmes de animação e da 9ª arte objectos de culto. Não terá sido o único responsável pela minha queda pela banda desenhada, mas acredito que tenho no meu imaginário o seu carimbo. Creio que Vasco Granja não teria hoje audiências, cada geração tem as suas referências, as suas marcas. Eu tenho a marca VG.
Assinalo com a partida de Vasco Granja o meu regresso à chave dicotómica. Sem prometer nada. É apenas uma extensão do meu quarto.
Assinalo com a partida de Vasco Granja o meu regresso à chave dicotómica. Sem prometer nada. É apenas uma extensão do meu quarto.
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