a-chave-dicotómica
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
T.S.Elliot (autor da minha epígrafe? Muito provavelmente)
"We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time."
sábado, 28 de novembro de 2009
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Tess is my home
Do lado de fora, debaixo de uma chuva torrencial, o “fiel jardineiro” olha pelo vidro da portada o interior da sua casa, agonizando por nunca ter lá conseguido entrar. A casa, simbolizando a mulher, que ele nunca conseguiu alcançar. Metáforas do cinema, objectos simbólicos que ficam, pela sua força, retidos no meu imaginário, o meu pequeno sótão, onde Fernando Meireles tem o seu lugar.
Já lá vão alguns anos desde que “The constant gardener” passou no cinema, mas ainda hoje me sabe bem o estalo de luva branca. Saboreio a forma como o filme nos engana e nos encaminha para um plot de adultério, onde relegamos para segundo plano as verdadeiras intenções da suposta mulher adúltera. Colocamo-nos sempre, preconceituosa e egoisticamente, nos olhos do marido, e tal com ele descobrimos quão facilmente se desvaloriza uma causa.
A nossa casa cruza-se por vezes connosco nas ruas. Está nos outros, está também em nós. Mas nem ligamos, tão distraídos que estamos a cuidar, zelosamente, do nosso pequeno jardim.
Já lá vão alguns anos desde que “The constant gardener” passou no cinema, mas ainda hoje me sabe bem o estalo de luva branca. Saboreio a forma como o filme nos engana e nos encaminha para um plot de adultério, onde relegamos para segundo plano as verdadeiras intenções da suposta mulher adúltera. Colocamo-nos sempre, preconceituosa e egoisticamente, nos olhos do marido, e tal com ele descobrimos quão facilmente se desvaloriza uma causa.
A nossa casa cruza-se por vezes connosco nas ruas. Está nos outros, está também em nós. Mas nem ligamos, tão distraídos que estamos a cuidar, zelosamente, do nosso pequeno jardim.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
O ringue que nos resta
N’ “A linha geral” de Sergei Eisenstein, quando dois camponeses estão a implorar certos direitos a um suposto suserano, este levanta-se da poltrona e as suas costas cobrem todo o ecrã, “esmagando-os” na imagem. No cinema, a força da imagem e do seu valor simbólico têm sido também esmagados pelas fórmulas comerciais do consumo rápido e descartável. Valem alguns cineastas que vão filmando contra a maré, como é o caso de Darren Aronofsky.
“The fountain” pareceu-me, no entanto, um recuo num dos elementos mais fundamentais da sua cinematografia: a estrutura. Em “Pi” a riqueza estética e do subtexto servem um argumento bem estruturado, uma história bem contada. Já em “The fountain”, o excessivo recurso ao simbolismo e um enredo demasiado intrincado, místico, fatiado em complexas camadas temporais, serviram apenas para obscurecer ainda mais uma ideia não muito clara, num exercício estético algo imaturo. O resultado foi, na minha opinião, uma história algo frágil, apesar de ter saboreado, a cada minuto, todos os seus adornos estéticos.
Em contraste com “The fountain”, “The wrestler” é um filme aparentemente simples. Randy, o protagonista (ex-wrestler), é quase sempre filmado de costas, numa perspectiva semelhante àquela dos espectáculos de wrestling, em que a câmara segue os ombros colossais dos seus ídolos enquanto estes atravessam corredores de gente em direcção ao ringue onde irão “esmagar” o adversário.
Mas desta feita não é Randy que esmaga os outros, é o vazio na sua frente que o esmaga. A solidão, o desprezo do mundo que o rodeia, as dificuldades económicas que enfrenta, o “shitty Job” que tenta desenrascar para poder ir a um bar de strippers, onde tem de pagar a uma mulher para ter uma amiga com quem falar. Um “destroço humano” como referiu Nuno Markl na sua crítica. Mas não sendo um super-homem, Randy também não é menos humano do que nós. Na sua personagem podemos projectar a nossa própria vida. Porque no final, depois de mais ou de menos espectáculo, a família é o ringue que nos resta. Uma família, um amigo que seja. Se não os temos, mais tarde ou mais cedo perguntar-nos-emos se terá valido a pena a luta. Tal como Randy, muitos pensarão que teria sido melhor morrer em combate, mesmo que os combates tenham sido uma farsa, não interessa. Foram os nossos combates. No nosso ringue imaginário. Fora dele a vida é por vezes um palco bem mais cruel. A força de “The wrestler” está na sua subtileza. A narrativa é linear e simples. E o resultado é uma obra sólida, elegante, poética.
“The fountain” pareceu-me, no entanto, um recuo num dos elementos mais fundamentais da sua cinematografia: a estrutura. Em “Pi” a riqueza estética e do subtexto servem um argumento bem estruturado, uma história bem contada. Já em “The fountain”, o excessivo recurso ao simbolismo e um enredo demasiado intrincado, místico, fatiado em complexas camadas temporais, serviram apenas para obscurecer ainda mais uma ideia não muito clara, num exercício estético algo imaturo. O resultado foi, na minha opinião, uma história algo frágil, apesar de ter saboreado, a cada minuto, todos os seus adornos estéticos.
Em contraste com “The fountain”, “The wrestler” é um filme aparentemente simples. Randy, o protagonista (ex-wrestler), é quase sempre filmado de costas, numa perspectiva semelhante àquela dos espectáculos de wrestling, em que a câmara segue os ombros colossais dos seus ídolos enquanto estes atravessam corredores de gente em direcção ao ringue onde irão “esmagar” o adversário.
Mas desta feita não é Randy que esmaga os outros, é o vazio na sua frente que o esmaga. A solidão, o desprezo do mundo que o rodeia, as dificuldades económicas que enfrenta, o “shitty Job” que tenta desenrascar para poder ir a um bar de strippers, onde tem de pagar a uma mulher para ter uma amiga com quem falar. Um “destroço humano” como referiu Nuno Markl na sua crítica. Mas não sendo um super-homem, Randy também não é menos humano do que nós. Na sua personagem podemos projectar a nossa própria vida. Porque no final, depois de mais ou de menos espectáculo, a família é o ringue que nos resta. Uma família, um amigo que seja. Se não os temos, mais tarde ou mais cedo perguntar-nos-emos se terá valido a pena a luta. Tal como Randy, muitos pensarão que teria sido melhor morrer em combate, mesmo que os combates tenham sido uma farsa, não interessa. Foram os nossos combates. No nosso ringue imaginário. Fora dele a vida é por vezes um palco bem mais cruel. A força de “The wrestler” está na sua subtileza. A narrativa é linear e simples. E o resultado é uma obra sólida, elegante, poética.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Quando os vampiros nos entram adentro
Desde o célebre e expressionista "Nosferatu" de Murnau que muito se tem ficcionado sobre vampiros no cinema. É fácil pegar nos habituais clichês do próprio tema, que só por pelo seu cariz ambíguo de horror sensual é sempre uma fórmula apetecível. Como adepto de filmes de vampiros, confesso que vi muito lixo pelo caminho, com raras excepções. Mas o caminho trouxe-me aqui. É como aquele poema, que é a síntese de todos os poemas, que não nos sai da cabeça mas não sabemos expressá-lo. As palavras, essas, andam soltas, tal como as peças de um cubo mágico impossível de decifrar. Às vezes encontramos peças desse poema na beleza de uma música que alguém compôs há séculos atrás.
Este filme tem muitas peças de um poema que está para além de um filme de género. É uma obra de arte que deve ser vista para além da metáfora do sangue. Metáfora, aliás, jamais tão bem conseguida. Nunca o sangue foi tão belo com em “Låt den rätte komma in”, título que só por si deixa revelar o ponto de vista de Tomas Alfredson como criador. Original e majestoso, deixemo-lo entrar. É demasiadamente belo para não ser visto.
Este filme tem muitas peças de um poema que está para além de um filme de género. É uma obra de arte que deve ser vista para além da metáfora do sangue. Metáfora, aliás, jamais tão bem conseguida. Nunca o sangue foi tão belo com em “Låt den rätte komma in”, título que só por si deixa revelar o ponto de vista de Tomas Alfredson como criador. Original e majestoso, deixemo-lo entrar. É demasiadamente belo para não ser visto.
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