Da casa do Vivas lembro-me vagamente de algumas coisas. Do hall de entrada, do quarto do Rui e da Rita (com os nomes deles em cima das camas) e da cozinha onde uma vez o surpreendi a fazer uma sanduíche bizarra. Pão bimbo barrado com manteiga e… Toddy de morango. Mas o Vivas tinha um conceito visionário acerca do valor que atribuímos ao sabor das coisas.
“Se um dia a tua mãe te pusesse um cagalhão no leite com chocolate tu só achavas o sabor um bocado esquisito, mais amargo, mas não desconfiavas”, disse-me ele um dia, e na altura achei que aquela reflexão tinha uma certa sabedoria, muito embora devesse ter desconfiado quando o ouvi expressar-se acerca da primeira azeda que provara: “Este coiso sabe… sabe a coiso.”
Suponho que o Vivas também se recordará da minha casa, pois de vez em quando acontecia que, quando eu chegava da escola, ele já lá estava a jogar ao computador. Por vezes com um iogurte que tinha tomado a liberdade de ir buscar ao frigorífico. Verdade seja dita, jogar Spectrum com o Vivas era a única forma de eu conseguir ver um jogo chegar até ao fim. A habilidade dele para o jogo valeu-lhe desde tenra idade andar sempre a encher os bolsos.
Concretamente, de berlindes.
Dito isto, o Vivas era o colega da escola que eu mais invejava. Não porque a minha mãe recorrentemente dizia que ele, apesar de não ser amigo dos estudos, era um miúdo muito inteligente (contrariamente a mim, que era um burro marrão). Também não porque ele passava sempre mais uma fase que eu em todos os jogos. E não só do Spectrum, pois recordo-me ainda hoje daquele dia em que jogámos ao bate-pé. Mas na verdade, eu invejava-o porque ele era o único do grupo de amigos cujo pai era dono de um clube de vídeo, “Vivas Video”, o primeiro videoclube de Elvas. Nessa altura, ter um videoclube era como ser uma espécie de feiticeiro. Vendia-nos fantasias sob a forma de cassetes VHS.
Lembro-me que foi lá que aluguei filmes como o “Rambo, a fúria do herói” e o “Pesadelo em Elm Street”. Mas também foi de lá que enfiei alguns barretes. Fiascos como o “Homem Aranha”, não o homem aranha que conhecemos hoje em dia do cinema. Aquele era um homem aranha que nem sequer usava luvas!
Uma mega desilusão para quem ansiava por ver finalmente no ecrã o nosso herói aos quadradinhos.
As cassetes VHS vieram revolucionar também o conceito do que é uma festa de aniversário. Pôr um filme para os amigos passara a ser uma fórmula de sucesso. Lembro-me de uma vez, já com os primeiros convidados a tocar á porta, estar ainda em pânico com o “One eye for one eye” de Chuck Norris numa mão e o “Footloose” na outra. Se o primeiro iria ser mal recebido pelas meninas, já o segundo faria os rapazes passarem a olhar para mim de lado.
Mas nisto chegou o Vivas com uma cassete VHS na mão, fresquinha no seu clube de vídeo, o “Howard the duck”. E salvou-me a festa.
Hoje penso como é que é possível o “Howard the duck” salvar alguma festa, por mais enfadonha que seja. Mas enfim, éramos crianças.
De chorar a rir! Já de seres um burro marrão é que não concordo. De burro não tinhas (nem tens) nada.
ResponderEliminarObrigado por me dedicares estas memórias Guilherme.
ResponderEliminarPS: Lembro-me PERFEITAMENTE das sandes de manteiga com o Toddy de Morango!!
Eis o Homem, em carne e osso. Obrigado por partilhares as memórias. E obrigado também ao Tarzan, pelo voto de confiança :P
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