a-chave-dicotómica

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segunda-feira, 7 de maio de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

A dívida


Há pessoas a quem não agradecemos devidamente. Mas como é que se retribui, com palavras ou gestos, a alguém que em determinada altura foi o rochedo ao qual nos agarrámos quando o chão parecia fugir-nos por debaixo dos pés?
Não surgem na vida muitas pessoas assim, com aquele carácter sólido e o tom certo, assertivo, que nos ajuda a trazer para cima ou, simplesmente, que não nos deixa afundar no pântano. É preciso ter sorte para, na circunstância certa da vida, essa pessoa estar ao nosso alcance. Mais sorte ainda é necessária para que essa pessoa sequer exista. Nem toda a gente tem ou teve uma pessoa assim. Uma pessoa que pode ser um familiar, ou um amigo.
A mim aconteceu-me uma pessoa assim, com quem me sinto eternamente em dívida. Sei que não faz parte do perfil de alguém como a pessoa que aqui descrevo nos pedir um dia algo em troca.
E é isso que também nos faz sentir ainda mais em dívida.
Talvez a melhor forma de pagar a dívida seja aprendermos a ser melhores pessoas. Saber colocar os pés mais firmemente no chão e termos mais coragem a trilhar o nosso próprio caminho, sentindo que estamos entregues ao mundo, disponíveis para o mundo e menos centrados em nós próprios. Empreender, talvez, um “paid it forward” mesmo quando não nos sentimos preparados para isso. E por preparados refiro-me a realizados com os nossos próprios projectos. Eternos, inalcançáveis projectos. Deixá-los de lado, em “stand-by”, eis como pagar a dívida. Ou talvez emprestá-los aos outros, por um tempo indeterminado, talvez para sempre. Eis como pagar a dívida.
E sermos felizes assim. Felizes com as pequenas coisas, talvez sejam essas as grandes coisas. As coisas que interessam ao prepararmo-nos para a morte. Tudo depende, sempre, da perspectiva. Não há mal nenhum em prepararmo-nos para a morte na etapa os trintas. Não é sequer prematuro, é realista. Quanto mais cedo nos preparamos para a morte mais tempo de vida ganhamos, em todo o intervalo que perfaz o momento em que nos sentimos prontos para a morte e o momento em que ela se materializa.
E prepararmo-nos para a morte é não mais do que fazer as pazes com os outros, e ir ainda mais além e fazermos as pazes connosco. É visitar o quarto da nossa infância como quem chega ao fim da viagem. Como diria T.S. Elliot, “voltar ao ponto de partida e, pela primeira vez, conhecer esse lugar”. É revisitar os nossos amigos de infância, aprender que foi com eles que nós estivemos mais perto do eu mais verdadeiro. O eu que evitámos tantas vezes olhar de frente sempre que nos olhávamos ao espelho.
Revisitar os amigos de infância, trilhando o feno em câmara lenta. Revisitar os amigos de infância, como Ulisses a tornar a Ítaca.
É isso em que se traduz encarar a morte, sentir qual o nosso lugar, é por fim ouvir mais do que falar, é por fim voltar a encarar o espelho. É encontrarmos no abraço daquele amigo o nosso lugar. Sentir que o mundo pode acabar. Que não é preciso mais nada dizer, mais nada fazer. Que estamos bem. É isso o preparar para a morte. É o extenso caminho derivar para a casa velha, voltar a pisar o caminho invadido de heras, em direcção ao nosso pai, à nossa mãe.
É isso o preparar para a morte, tirar dos ombros o peso dos anos que tentámos ir mais além. Viver neste tempo que dista o dia em aceitámos o pacto de que somos finitos, até à consumação desse pacto, sem que nada o tempo nos leve que não aquilo de que já não precisamos. Vivermos para as pequenas coisas, e aceitarmos que vivemos para as pequenas coisas, e assim fazermo-nos ao caminho das pequenas coisas, trazendo todo o percurso de uma vida na palma de uma mão.
Eis como pagar a dívida. Obrigado João.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Memórias de infância

Nem só de Lucky Lukes e Marsupilamis vivia a imaginação jovem e imberbe deste vosso modesto servidor de posts nos anos 80-90. Este servidor de vasta panóplia de parafilias, acrescentaria eu, a maior parte das quais beberam da fonte inesgotável desta personagem singela, chamada Druuna. Que é uma personagem que em muito se assemelha a outras personagens da nossa infância, como a Branca de Neve, ou a Cinderela, ou a Chicholina. A verdade é que, conteúdo erótico à parte, esta é uma fabulosa obra de ficção científica com aquela ambiência futurista deteriorada, decadente, contaminada, corrompida e mutante, com traços estéticos que inspiram qualquer filme zombie. Uma preciosidade.

sábado, 28 de abril de 2012

Dia 26 de Abril de 2012

Data de entrega da minha tese de doutoramento na Universidade de Coimbra.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cá está. Só não se vê nesta imagem a meinha curta, a terminar justamente onde acaba o pé

Anteontem lá passou o Rambo


Foi noite de "Fúria do Herói" no canal Hollywood, naquela altura em que devia estar a fazer coisas bem mais interessantes, como por exemplo dormir, mas que é também uma altura em que me habituei, na fase final da escrita da tese, a descomprimir da ansiedade do dia com uma certa ligação hipnótica a um mundo ficcional, que tem aquela função de história de embalar. Tal como o fazia em adolescente com Lucky Lukes, Asterixes, Blueberrys, Vagabundos dos Limbos, e muitas outras histórias em banda desenhada que conheci em grande parte por influência do meu pai, que era ele próprio um grande aficionado pelas 7ª e 9ª artes. Uma dúvida, que arte está entre elas? O que é a 8ª arte? Basta ver no google, mas voltemos ao Rambo. 
O Rambo já tinha passado dias antes a esta mesma hora, neste mesmo canal e, como esperado, cumpriu a rápida missão de estalar os dedos para me pôr a dormir. Mas não desta última vez, desta consegui seguir o filme até à cena final que, reconheça-se, é espectacular. E é ela que faz a diferença. Até lá o filme encaixa-se numa obra de acção de série B, na sua estética “eighties”. Mas depois assistimos àquele clímax final, com lágrimas a escorrer pelo rosto de Rambo, um homem desintegrado e posto à margem de um país que o usou no Vietname quando tanto lhe deu jeito. Um homem que era o estereótipo do herói da nossa adolescência:
-Botas da tropa.
-Calças de camuflado.
-Tronco nu ou camisa justa de alças a realçar o corpo de culturista, com uns bíceps sempre rijos a suportar o peso de uma vigorosa metralhadora - por vezes até uma bazuca: é interessante o fascínio que nós tínhamos naquela altura por armas de fogo, principalmente as que causassem o maior chavascal possível em plena avenida de uma grande cidade, deixando atrás de si um rasto de destruição, incêndios e estradas bloqueadas a causar um forte congestionamento no trânsito. E eu que hoje por vezes me queixo na segunda circular, que direito tenho?
Enfim, o Rambo significa, sobretudo, os meus amigos de infância. Os que cresceram comigo durante a adolescência e que partilham hoje comigo estas referências. Havia o Rambo, e havia também quem preferisse o Comando. E Consumíamo-los não só em filmes, mas também em cadernetas de cromos, calendários e, sobretudo, nas suas versões interactivas em jogos ZX Spectrum.
Mas apesar deste estereótipo de herói, que era um reflexo de estarmos na altura em plena guerra fria, com a hipertrofia muscular a rasgar pelas comissuras das camisas, não havia muito na altura a mania nos ginásios.
Hoje os ginásios estão na moda, e estão cheios de malta que passa lá a vida a dar no duro, mas nota-se bem que já não estamos na guerra fria.
Estes culturistas de hoje já não usam botas da tropa. Estes são Rambos que usam ténis sofisticados, de tons fluorescentes e, de acordo com a moda de hoje, na zona de contacto entre o pé e o sapato, envergam umas meias que de tão curtas nem chegam ao tornozelo. Ora, não me parece que isto seja por causa dos russos, nem que tenha a ver com a guerra contra o terror. Hoje o inimigo comum, que faz com que tanto jovem passe dias inteiros no ginásio, é mesmo o jugo de ser "in" e de ser "fit" na óptica frívola da sociedade de consumo e da mão invisível que pelos vistos não evita o flagelo do desemprego. Como é que um desempregado paga a mensalidade de um ginásio? Não sei. Talvez tenha “algum” posto de lado, ou um pé-de-meia ou conte com a ajuda da família, mas a verdade é que a imagem de hoje do homem atlético, de porte viril e musculado não é a imagem do homem que veio da guerra e não se sinta reintegrado no país que serviu, mas a do homem com muito tempo nas mãos, pouco trabalho, e um país que não sabe como servir.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Para quando o Alien 3?

Ando um pouco frustrado por não conseguir chegar ao fim de cada Alien que vai passando no canal Hollywood. Convém esclarecer que não consigo acabar de os ver (ou melhor, de os rever, e muitas vezes até re-re-rever) porque já estou na cama, com um olho aberto e o outro fechado, a estrebuchar contra o sono que desce por mim acima, e sobe por mim abaixo, qual inexorável DNA-polimerase a multiplicar-me em sonhos.

Tenho pena porque nunca me canso de rever um Alien. Qualquer um deles que seja, até porque contrariamente a muitos outros exemplos, esta é uma saga em que os filmes que se seguiram ao primeiro não desiludiram e até trouxeram novos e interessantes aspectos. Ou aspetos, segundo a nova ortografia, o que soa um pouco gay. Ok, talvez o Alien 4 destoe um pouco por ser mais "apalhaçado" e, por isso mesmo, fique uns furos abaixo dos outros.

Mas em geral, os Alien são para mim uma saga de culto. Mas pronto, não vou fugir à questão. se tenho conseguido assistir aos Alien na cama até ao ponto de adormecer isto implica que tenho uma televisão no quarto. Objecto vil que compete com os livros que abundantemente se empilham na mesa de cabeceira. Que é como quem diz, no chão. Porque temos televisão no quarto, mas não temos mesas-de-cabeceira. Há que ressalvar, no entanto, que é uma televisão pequenina. Tão pequenina que a Sigourney Weaver mal cabe lá dentro, e na cena em que a medonha mandíbula retráctil do Alien é projectada para a frente para devorar um dos tripulantes da Nostromo (a famosa nave espacial do Alien) temi que fosse embater contra o vidro da TV. Isto só para dizer que apesar de ter televisão no quarto, ela é bastante pequenina. Por isso, algum luxo sim, mas não tanto. Isto já para não falar na TV encastrada na parede da casa de banho, que é ainda mais pequena que a do quarto. Também é verdade que se encontra num espaço mais apertado, ao ponto de termos achado que em valia a pena lá montar o sistema de som Dolby-surround.

Mas voltando à TV do quarto, o importante não é a TV, são os filmes que por lá passam. Até porque só temos dois canais no quarto, o National Geographic e o Hollywood. E com sorte lá vou apanhando umas preciosidades no Hollywood, como os recentemente exibidos “Alien, o oitavo passageiro” e “Alien, o recontro final”. Acabei por adormecer nos dois. Mas tentarei resistir quando passar o terceiro da saga, o também espectacular Alien, realizado pelo David Fincher. Venha ele, esse Alien com o seu sangue de ácido. Mas com cuidado, porque temos vizinhos em baixo.